domingo, 31 de maio de 2009
Resenha "Leite derramado", de Chico Buarque
Eis um livro que recomendo, a leitura é um deleite e nos proporciona a exemplificação do assunto trabalhado no TP4.
Editora: Companhia das Letras
Autor: CHICO BUARQUE
Origem: Nacional
Ano: 2009
Edição: 1
Número de páginas: 200
Uma saga familiar caracterizada pela decadência social e econômica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos. Um homem muito velho está num leito de hospital. Membro de uma tradicional família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigido à filha, às enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história de sua linhagem desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senador da Primeira República, até o tataraneto, garotão do Rio de Janeiro atual.
Com uma narrativa primorosa, concisa e empolgante, o narrador-personagem cria um clima de suspense que vai se perpetuando à medida que a narrativa progride. Chico Buarque opta mais uma vez um narrador em primeira pessoa para conduzir sua história. Eulálio é o retrato de uma “elite em crise”, vivendo do sobrenome que tem e perdendo cada vez mais espaço na sociedade de alto escalão. Por se tratar da narrativa de um moribundo, muitas personagens não têm descrições completas e todas são risíveis (em vista o que é narrado).
O que importa no romance é como construir o personagem principal através do que ele diz sobre o ambiente, sobre o passado, sobre todos e pelo pouco do que fala de si mesmo (exaltando traços de sua personalidade, muitas vezes se torna contraditório em suas opiniões, tentando mostrar humildade, mas apenas exalando arrogância). Os sentimentos de Eulálio são rasos, somente os descritos com uma cor alaranjada é que são mais profundos – e verdadeiros. “Nem parei para pensar de onde vinha a minha raiva repentina, só senti que era alaranjada a raiva cega que tive da alegria dela.”
De linguagem refinada, irônica, paradoxal e biográfica, temos uma obra que passará pelos olhos de leitores recordando Machado de Assis com seu Brás Cubas e com Bentinho,e João Ubaldo Ribeiro com seu Sargento Getúlio. Para nós do Gestar II, que estamos nos debruçando sobre tipos textuais, a leitura desse livro é um excelente material de pesquisa, no que concerne, sobretudo, a intertextualidade e a trama lingüística.
sábado, 30 de maio de 2009
Gêneros textuais: definição e funcionalidade
1.Gêneros textuais como práticas sócio-históricas
Já se tornou trivial a idéia de que os gêneros textuais são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto de trabalho coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. No entanto, mesmo apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveisl. dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidades e atividades sócioculturais, bem como na relação com inovações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita.
Quanto a esse último aspecto, uma simples observação histórica do surgimento dos gêneros revela que, numa primeira fase, povos de cultura essencialmente oral desenvolveram um conjunto limitado de gêneros. Após a invenção da escrita alfabética por volta do século VII A. c., multiplicam-se os gêneros, surgindo os típicos da escrita. Numa terceira fase, a partir do século XV, os gêneros expandem-se com o flores cimento da cultura impressa para, na fase intermediária de industrialização iniciada no século XVlII, dar início a uma grande ampliação. Hoje, em plena fase da denominada cultura eletrônica, com o telefone, o gravador, o rádio, a TV e, particularmente o computador pessoal e sua aplicação mais notável, a intemet, presenciamos uma explosão de novos gêneros e novas formas de comunicação, tanto na oralidade como na escrita.
Isto é revelador do fato de que os gêneros textuais surgem, situam-se e integram-se funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem. Caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades lingüísticas e estruturais. São de difícil definição formal, devendo ser contemplados em seus usos e condicionamentos sóciopragmáticos caracterizados como práticas sócio-discursivas. Quase inúmeros em diversidade de formas, obtêm denominações nem sempre unívocas e, assim como surgem, podem desaparecer.
Esta coletânea traz estudos sobre uma variedade de gêneros textuais relacionados a algum meio de comunicação e analisa-os em suas peculiaridades organizacionais e funcionais, apontando ainda aspectos de interesse para o trabalho em sala de aula. Neste contexto, o presente ensaio caracteriza-se como uma introdução geral à investigação dos gêneros textuais e desenvolve uma bateria de noções que podem servir para a compreensão do problema geral envolvido. Certamente, haveria muitas outras perspectivas de análise e muitos outros caminhos teóricos para a definição e abordagem da questão, mas tanto o exíguo espaço como a finalidade didática desta breve introdução impedem que se façam longas incursões pela bibliografia técnica hoje disponível.
2. Novos gêneros e velhas bases
Como afirmado, não é difícil constatar que nos últimos dois séculos foram as novas tecnologias, em especial as ligadas à área da comunicação, que propiciaram o surgimento de novos gêneros textuais. Por certo, não são propriamente as tecnologias per se que originam os gêneros e sim a intensidade dos usos dessas tecnologias e suas interferências nas atividades comunicativas diárias. Assim, os grandes suportes tecnológicos da comunicação tais como o rádio, a televisão, o jornal, a revista, a internet, por terem uma presença marcante e grande centralidade nas atividades comunicativas da realidade social que ajudam a criar, vão por sua vez propiciando e abrigando gêneros novos bastante característicos. Daí surgem formas discursivas novas, tais como editoriais, artigos de fundo, notícias, telefonemas, telegramas, telemensagens, teleconferências, videoconferências, reportagens ao vivo, cartas eletrônicas (e-mails), bate-papos virtuais, aulas virtuais e assim por diante.
Seguramente, esses novos gêneros não são inovações absolutas, quais criações ab ovo, sem uma ancoragem em outros gêneros já existentes. O fato já fora notado por Bakhtin [1997] que falava na 'transmutação' dos gêneros e na assimilação de um gênero por outro gerando novos. A tecnologia favorece o surgimento de formas inovadoras, mas não absolutamente novas. Veja-se o caso do telefonema, que apresenta similaridade com a conversação que lhe pré-existe, mas que, pelo canal telefônico, realiza-se com características próprias. Daí a diferença entre uma conversação face a face e um telefonema, com as estratégias que lhe são peculiares. O e-mail (correio eletrônico) gera mensagens eletrônicas que têm nas cartas (pessoais, comerciais etc.) e nos bilhetes os seus antecessores. Contudo, as cartas eletrônicas são gêneros novos com identidades próprias, como se verá no estudo sobre gêneros emergentes na rnídia virtual.
Aspecto central no caso desses e outros gêneros emergentes é a nova relação que instauram com os usos da linguagem como tal. Em certo sentido, possibilitam a redefinição de alguns aspectos centrais na observação da linguagem em uso, como por exemplo a relação entre a oralidade e a escrita, desfazendo ainda mais as suas fronteiras. Esses gêneros que emergiram no último século no contexto das mais diversas mídias criam formas comunicativas próprias com um certo hibridismo que desafia as relações entre oralidade e escrita e inviabiliza de forma definitiva a velha visão dicotômica ainda presente em muitos manuais de ensino de língua. Esses gêneros também permitem observar a maior integração entre os vários tipos de semioses: signos verbais, sons, imagens e formas em movimento. A linguagem dos novos gêneros torna-se cada vez mais plástica, assemelhando-se a uma coreografia e, no caso das publicidades, por exemplo, nota-se uma tendência a servirem-se de maneira sistemática dos formatos de gêneros prévios para objetivos novos. Como certos gêneros já têm um determinado uso e funcionalidade, seu investimento em outro quadro comunicativo e funcional permite enfatizar com mais vigor os novos objetivos.
Quanto a este último aspecto, é bom salientar que embora os gêneros textuais não se caracterizem nem se definam por aspectos formais, sejam eles estruturais ou lingüísticos, e sim por aspectos sócio-comunicativos e funcionais, isso não quer dizer que estejamos desprezando a forma. Pois é evidente, como se verá, que em muitos casos são as formas que determinam o gênero e, em outros tantos serão as funções. Contudo, haverá casos em que será o próprio suporte ou o ambiente em que os textos aparecem que determinam o gênero presente. Suponhamos o caso de um determinado texto que aparece numa revista científica e constitui um gênero denominado "artigo científico"; imaginemos agora o mesmo texto publicado num jornal diário e então ele seria um "artigo de divulgação científica". É claro que há distinções bastante claras quanto aos dois gêneros, mas para a comunidade científica, sob o ponto de vista de suas classificações, um trabalho publicado numa revista científica ou num jornal diário não tem a mesma classificação na hierarquia de valores da produção científica, embora seja o mesmo texto.
Assim, num primeiro momento podemos dizer que as expressões "mesmo texto" e "mesmo gênero" não são automaticamente equivalentes, desde que não estejam no mesmo suporte. Estes aspectos sugerem cautela quanto a considerar o predomínio de formas ou funções para a determinação e identificação de um gênero.
3.Definição de tipo e gênero textual
Aspecto teórico e terminológico relevante é a distinção entre duas noções nem sempre analisadas de modo claro na bibliografia pertinente. Trata-se de distinguir entre o que se convencionou chamar de tipo textual, de um lado, e gênero textual, de outro lado. Não vamos aqui nos dedicar à observação da diversidade terminológica existente nesse terreno, pois isso nos desviaria muito dos objetivos da abordagem.
Partimos do pressuposto básico de que é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum texto. Em outros termos, partimos da idéia de que a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual. Essa posição, defendida por Bakhtin [1997] e também por Bronckart (1999) é adotada pela maioria dos autores que tratam a língua em seus aspectos discursivos e enunciativos, e não em suas peculiaridades formais. Esta visão segue uma noção de língua como atividade social, histórica e cognitiva. Privilegia a natureza funcional e interativa e não o aspecto formal e estrutural da língua. Afirma o caráter de indeterminação e ao mesmo tempo de atividade constitutiva da língua, o que equivale a dizer que a língua não é vista como um espelho da realidade, nem como um instrumento de representação dos fatos.
Nesse contexto teórico, a língua é tida como uma forma de ação social e histórica que, ao dizer, também constitui a realidade, sem contudo cair num subjetivismo ou idealismo ingênuo. Fugimos também de um realismo externalista, mas não nos situamos numa visão subjetivista. Assim, toda a postura teórica aqui desenvolvida insere-se nos quadros da hipótese sácio-interativa da língua. É neste contexto que os gêneros textuais se constituem como ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o' de algum modo.
Para uma maior compreensão do problema da distinção entre gêneros e tipos textuais sem grande complicação técnica, trazemos a seguir uma definição que permite entender as diferenças com certa facilidade. Essa distinção é fundamental em todo o trabalho com a produção e a compreensão textual. Entre os autores que defendem uma posição similar à aqui exposta estão Douglas Biber (1988), John Swales (1990.), Jean-Michel Adam (1990), JeanPaul Bronckart (1999). Vejamos aqui uma breve definição das duas noções:
(a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.
(b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante.
Para uma maior visibilidade, poderíamos elaborar aqui o seguinte quadro sinóptico:
TIPOS TEXTUAIS
1. constructos teóricos definidos por propriedades lingüísticas intrínsecas;
2. constituem seqüências lingüísticas ou seqüências de enunciados e não são textos empíricos
3. sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal;
4. designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição
GÊNEROS TEXTUAIS
1. realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades sócio-comunicativas;
2. constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas;
3. sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função;
4. exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta.eletrônica, bate-papo virtual, aulas virtuais etc.
Antes de analisarmos alguns gêneros textuais e algumas questões relativas aos tipos, seria interessante definir mais uma noção que vem sendo usada de maneira um tanto vaga. Trata-se da expressão domínio discursivo.
(c) Usamos a expressão domínio discursivo para designar uma esfera ou instância de produção discursiva ou de atividade humana. Esses domínios não são textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante específicos. Do ponto de vista dos domínios, falamos em discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso etc., já que as atividades jurídica, jornalística ou religiosa não abrangem um gênero em particular, mas dão origem a vários deles. Constituem práticas discursivas dentro das quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que, às vezes} lhe são próprios (em certos casos exclusivos) como práticas ou rotinas comunicativas institucionalizadas.
Veja-se o caso das jaculatórias, novenas e ladainhas, que são gêneros exclusivos do domínio religioso e não aparecem em outros domínios. Tome-se este exemplo de uma jaculatória que parecia extinta} mas é altamente praticada por pessoas religiosas.
Exemplo (1) jaculatória (In: Rezemos o Terço. Aparecida} Editora Santuário, 1977, p.54)
Senhora Aparecida, milagrosa padroeira, sede nossa guia nesta mortal carreira!á Virgem Aparecida, sacrário do redentor, dai à alma desfalecida vosso poder e valor. á Virgem Aparecida, fiel e seguro norte, alcançai-nos graças na vida, favorecei-nos na morte!
A jaculatória é um gênero textual que se caracteriza por um conteúdo de grande fervor religioso} estilo laudatório e invocatório (duas seqüências injuntivas ligadas na sua formulação imperativa)} composição curta com poucos enunciados, voltada para a obtenção de graças ou perdão} a depender da circunstância.
Em relação às observações teóricas acima, deve-se ter o cuidado de não confundir texto e discurso como se fossem a mesma coisa. Embora haja muita discussão a esse respeito} pode-se dizer que texto é uma entidade concreta realizada materialmente e corporificada em algum gênero textual. Discurso é aquilo que um texto produz ao se manifestar em alguma instância discursiva. Assim, o discurso se realiza nos textos. Em outros termos} os textos realizam discursos em situações institucionais} históricas, sociais e ideológicas. Os textos são acontecimentos discursivos para os quais convergem ações lingüísticas} sociais e cognitivas} segundo Robert de Beaugrande (1997).
Observe-se que a definição dada aos termos. aqui utilizados é muito mais operacional do que formal. Assim} para a noção de tipo textual predomina a identificação de seqüências lingüísticas típicas como norte adoras; já para a noção de gênero textual} predominam os critérios de ação prática} circulação sócio-histórica} funcionalidade, conteúdo temático, estilo e composicionalidade, sendo que os domínios discursivos são as grandes esferas da atividade humana em que os textos circulam. Importante é perceber que os gêneros não são entidades formais, mas sim entidades comunicativas. Gêneros são formas verbais de ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de práticas sociais e em domínios discursivos específicos.
4. Algumas observações sobre os tipos textuais
Em geral, a expressão "tipo de texto", muito usada nos livros didáticos e no nosso dia-a-dia, é equivocadamente empregada e não designa um tipo, mas sim um gênero de texto. Quando alguém diz, por exemplo, "a carta pessoal é um tipo de texto informa!", ele não está empregando o termo "tipo de texto" de maneira correta e deveria evitar essa forma de falar. Uma carta pessoal que você escreve para sua mãe é um gênero textual, assim como um editorial, horóscopo/ receita médica, bula de remédio, poema, piada, conversação casual, entrevista jomalística, artigo científlco, resumo de um artigo, prefácio de um livro. É evidente que em todos estes gêneros também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é em geral tipologicamente variado.
Veja-se o caso da carta pessoal, que pode conter uma seqüência narrativa (conta uma historinha), uma argumentação (argumenta em função de algo), uma descrição (descreve uma situação) e assim por diante.
Já que mencionamos o caso da carta pessoal, tomemos este breve exemplo de uma carta entre amigos. Aqui foram suprimidos alguns trechos e mudados os nomes e as siglas para não identificação dos atores sociais envolvidos:
Gênero textual: carta pessoal
Rio, 11/08/1991
AmigaA.P.
Oi!
Para ser mais preciso estou no meu quarto, escreveno na escrivaninha, com um Micro System ligado na minha frente (bem alto, por sinal). Está ligado na Manchete FM - ou rádio dos funks - eu adoro funk, principalmente com passos marcados. Aqui no Rio é o ritmo do momento ... e você, gosta? Gosto também de house e dance music, sou fascinado por discotecas!
Sempre vou à K.I, ontem mesmo (sexta-feira) eu fui e cheguei quase quatro horas da madrugada. Dançar é muito bom, principalmente em uma discoteca legal. Aqui no condomínio onde moro têm muitos jovens, somos todos muito amigos e sempre vamos todos juntos. É muito maneiro! C. foi três vezes à K. 1., pergunte só a ele como é! Está tocando agora o "Melô da Mina Sensual", super demais! Aqui ouço também a Transamérica e RPC}M.
E você, quais rádios curte?
Resposta:
Demorei um tempão pra responder, espero sinceramente que você não esteja chateada comigo. Eu me amarrei de verdade em vocês aí, do Recife, principalmente a galera da ET, vocês são muito maneiros! Meu maior sonho é viajar, ficar um tempo por aí, conhecer legal vocês todos, sairmos juntos ... Só que não sei ao certo se vou realmente no início de 1992. Mas pode ser que dê, quem sabe! /........../ Não sei ao certo se vou ou não, mas fique certa que farei de tudo para conhecer vocês o mais rápido possível. Posso te dizer uma coisa? Adoro muito vocês!
Agora, a minha rotina: às segundas, quartas e sextas-feiras trabalho de 8:00 às 17:00h, em Botafogo . De lá vou para o T., minha aula vai de 18;30 às 10:40h. Chego aqui em casa quinze para meianoite. E às terças e quintas fico 050 em F. só de 8:00 às 12:30h. Vou para o T.; às 13:30 começa o meu curso de Francês (vou me formar ano que vem) e vai até IS:30h. 16:ooh vou dar aula e fico até 17:30h. 17:40h às 18:30h faço natação. Simone e eu fizemos três meses de namoro; você sabia que eu estava namorando? Ela mora aqui mesmo no «ilegível)) (nome do condomínio). A gente se gosta muito, às vezes eu acho que nunca vamos terminar, depois eu acho que o namoro não vai durar muito, entende? O problema é que ela é muito ciumenta, principalmente porque eu já fui afim da B., que mora aqui também. Nem posso falar com a garota que S. já fica com raiva. É acho que vou terminando ... escreva! Faz um favor? Diga pra M., A. P. e C. que esperem, não demoro a escrever
Adoro vocês! Um beijão!
Do amigo
P. P.
É notável a variedade de seqüências tipológicas nessa carta pessoal, em que predominam descrições e exposições, o que é muito comum para esse gênero. Não há espaço aqui para maiores detalhes, mas esse modo de análise pode ser desenvolvido com todos os gêneros e, de uma maneira geral, vai-se notar que há uma grande heterogeneidade tipológica nos gêneros textuais. Portanto, entre as características básicas dos tipos textuais está o fato de eles serem definidos por seus traços lingüísticos predominantes. Por isso, um tipo textual é dado por um conjunto de traços que formam uma seqüência e não um texto. A rigor, pode-se dizer que o segredo da coesão textual está precisamente na habilidade demonstrada em fazer essa "costura" ou tessitura das seqüências tipológicas como uma armação de base, ou seja, uma malha infraestrutural do texto. Como tais, os gêneros são uma espécie de armadura comunicativa geral preenchida por seqüências tipológicas de base que podem ser bastante heterogêneas mas relacionadas entre si. Quando se nomeia um certo texto como "narrativo", "descritivo" ou "argumentativo", não se está nomeando o gênero e sim o predomínio de um tipo de seqüência de base.
Textos trabalhados
Amor gramatical
Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com aspecto plural, alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda jovem, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por literatura e filmes ortográficos.
O substantivo gostou da situação. Era o prefácio que ele esperava: os dois a sós, sem ninguém ver nem ouvir. Não perdeu a oportunidade, começou a se insinuar, com perguntas e paráfrases. O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára. Ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a se movimentar: só que em vez de descer, subiu e parou justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal para convencê-la a entrar em seu aposto.
Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em hiato, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um cedilha com gelo para ela. Ficaram conversando, confortavelmente instalados num acento, quando ele voltou à tônica, usando seu experiente adjunto adverbial. Vendo o objeto direto do seu desejo totalmente entregue à voz passiva, rapidamente lançou-se ao imperativo. Abraçaram-se numa pontuação tão minúscula que nem um período simples passaria entre os dois.
Mas, apesar dos tremas e vocativos, ela resistia. Quando tentou soletrá-la, ela saiu de si: desferiu-lhe um travessão que o fez cair do acento. Oxítona como um pimentão, ela estendeu-lhe as aspas para ajudá-lo a levantar-se, e então confessou que ainda era vírgula. Depois de um silêncio infinitivo, ela ergueu-se numa ênclise e dirigiu-se intransitiva para a porta.
Foi quando soou o tritongo. Num hífen, ele pulou para frente da porta, impedindo-a de abrir, com os olhos assustados de um sujeito indefinido. Tocaram de novo o tritongo, enquanto ela o olhava interrogativa, aguardando um complemento verbal qualquer que justificasse aquele adendo. Gramaticalmente, ele gesticulou para que ela se escondesse dentro do vocabulário, dizendo que depois lhe explicaria tudo.
- Isso é o cúmulo do gerúndio!, exclamou ela, abrindo enfim a porta.
Surgiu então uma proparoxítona hiperbólica, cheia de bijuterias e asteriscos, exalando uma locução forte e barata.
- O que é esta trissílaba está fazendo em nosso aposto?, disparou.
Metendo-se no meio das duas, o substantivo assumiu um ar circunflexo e disse que ia botar os pingos nos is, começando uma longa oração adjetiva explicativa: não havia ali nenhuma relação de gêneros envolvida; o artigo feminino era apenas uma vizinha que viera lhe pedir um colchete emprestado; conversavam a respeito do verbo auxiliar do prédio, cuja mãe estava com um adjunto adnominal incurável; estavam pensando em recolher proposições que... mas o próprio artigo feminino o interrompeu, soltando o verbo:
- Eu é que não tomarei particípio neste bando de metonímias!, gritou superlativa, e aplicou-lhe um tritongo nasal que o fez cair de joelhos. Em seguida saiu, batendo a porta.
O substantivo, então, voltou-se para sua proparoxítona:
- Juro por Jesus e seus apóstrofos que eu posso explicar...
- Não me venha com redundâncias! Quer saber a verdade? Sempre achei você um substantivo abstrato. Um mero ponto-e-vírgula, um diminutivo. Você não vale um til! Está vendo esta aliança? Pode mandar prolixo! E ponto final.
- Mas propazinha...
- Poupar-me-ás de suas mesóclises, eu espero. Este foi o nosso epílogo.
"Bem que me avisaram que toda proparoxítona é a acentuada...", pensou o substantivo. Sozinho em seu aposto, pôs-se a fazer um sumário sobre o ocorrido. No fim das crases, o pretérito havia sido mais-que-perfeito: conseguira livrar-se da proparoxítona, com quem a ligação já estava ficando um tanto defectiva. "Só espero que aquele artigozinho feminino não faça uma metáfora de mim para todo o edifício". Ele não queria que a verborragia chegasse aos ouvidos da vogal do 507, com quem sonhava viver uma conjunção coordenativa conclusiva. Era preciso reconhecer: ela tinha um conectivo de fechar o parágrafo!
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A fita métrica do amor
(Martha Medeiros)
Como se mede uma pessoa? Os tamanhos variam conforme o grau de envolvimento. Ela é enorme pra você quando fala do que leu e viveu, quando trata você com carinho e respeito, quando olha nos olhos e sorri destravado. É pequena pra você quando só pensa em si mesmo, quando se comporta de uma maneira pouco gentil, quando fracassa justamente no momento em que teria que demonstrar o que há de mais importante entre duas pessoas: a amizade.Uma pessoa é gigante pra você quando se interessa pela sua vida, quando busca alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto. É pequena quando desvia do assunto.Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro, quando age não de acordo com o que esperam dela, mas de acordo com o que espera de si mesma. Uma pessoa é pequena quando se deixa reger por comportamentos clichês.Uma mesma pessoa pode aparentar grandeza ou miudeza dentro de um relacionamento, pode crescer ou decrescer num espaço de poucas semanas: será ela que mudou ou será que o amor é traiçoeiro nas suas medições? Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande. Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo.É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos. Nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações. Uma pessoa é única ao estender a mão, e ao recolhê-la inesperadamente, se torna mais uma. O egoísmo unifica os insignificantes. Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande. É a sua sensibilidade sem tamanho.
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Receita da vida
(Paulo Afonso Ramos)
Pedaços de solidão
Fatias de erros
Misturam-se com pensamentos
Acrescenta-se muita compreensão
E mexe-se devagarinho.
Começa a crescer a consciência
Junta-se um pouco de coragem
E uma grama de ambição
Mexe-se mais um pouquinho
E têm-se a noção preparada.S
alpica-se com laivos de responsabilidade
Acrescenta-se umas gotas de lágrimas
Força de vontade,
Toda a verdade do nosso espírito
E temos a realidade.
Em lume brando, aquece o amor
E derrete-se alguma dor
Junta-se meia dose de emoção
Abre-se o coração,
Recheia-se com simplicidade
E muita alegria
Reúne-se tudo no forno da vida
Deixando por algum tempo
Quando pronto, o corpo sente
Depois, prova-se o sabor
Saberá a felicidade
Come-se uma fatia por dia
E o bolo acabará,
Quando a vida acabar.
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Ler devia ser proibido
(Guiomar de Grammon)
A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.
Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.
Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.
Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?
Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.
Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.
Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular um curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.
Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.
O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?
É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova... Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.
Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.
Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.
Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos... A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.
Ler pode tornar o homem perigosamente humano.
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Ccaso de secretária
(Carlos Drummond de Andrade)
Foi trombudo para o escritório. Era dia de seu aniversário, e a esposa nem sequer o abraçara, não fizera a mínima alusão á data. As crianças também tinham se esquecido. Então era assim que a família o tratava? Ele que vivia para seus, que se arrebentava de trabalhar, não merecer um beijo, uma palavra ao menos!
Mas no escritório, havia flores à sua espera, sobre a mesa. Havia o sorriso e o abraço da secretária, que poderia muito bem ter ignorado o aniversário, e entretanto, o lembrava. Era mais do que uma auxiliar, atenta, experimentada e eficiente, pé-de-boi da firma, como até então a considerara; era um coração amigo.
Passada a surpresa, sentiu-se ainda mais borocochô: o carinho da secretária não curava, abria mais a ferida. Pois então uma estranha se lembrava dele com tais requintes, e a mulher e os filhos, nada?
Baixou a cabeça, ficou rodando o lápis entre os dedos, sem gosto para viver.
Durante o dia, a secretária redobrou de atenções. Parecia querer consolá-lo, como se medisse toda sua solidão moral, o seu abandono. Sorria, tinha palavras amáveis, e o ditado da correspondência foi entremeado de suaves brincadeiras da parte dela.
-O Senhor vai comemorar em casa ou numa boate?
Engasgado, confessou-lhe que em parte nenhuma. Fazer anos é uma droga, ninguém gostava dele neste mundo, iria rodar por aí à noite, solitário, como o lobo da estepe.
- Se o senhor quisesse, podíamos jantar juntos - insinuou ela, discretamente.
E não é que podia mesmo? Em vez de passar uma noite besta, ressentida - o pessoal lá de casa pouco está ligando -, teria horas amenas, em companhia de uma mulher que - reparava agora -era bem bonita.
Daí por diante o trabalho foi nervoso, nunca mais que se fechava o escritório. Teve vontade de mandar todos embora, para que todos comemorassem o seu aniversário, ele principalmente. Conteve-se, no prazer ansioso da espera.
- Onde você prefere ir? - perguntou, ao saírem.
- Se não se importa, vamos passar primeiro em meu apartamento. Preciso trocar de roupa.
Ótimo, pensou ele; - faz-se a inspeção prévia do terreno, e, quem sabe?
- Mas antes quero um drinque, para animar - ele retificou.
Foram ao drinque, ele recuperou não só a alegria de viver e fazer anos, como começou a fazê-los pelo avesso, remoçando. Saiu bem mais jovem do bar, e pegou-lhe do braço.
No apartamento, ela apontou-lhe o banheiro e disse que o usasse sem cerimônia. Dentro de quinze minutos ele poderia entrar no quarto, não precisava bater- e o sorriso dela, dizendo isto, era uma promessa de felicidade.
Ele nem percebeu ao certo se estava arrumando ou se desarrumando, de tal modo os quinze minutos se atropelaram, querendo virar quinze segundos, no calor escaldante do banheiro e da situação. Liberto da roupa incômoda, abriu a porta do quarto. Lá dentro, sua mulher e seus filhinhos, em coro com a secretária , esperavam-no cantando "Parabéns pra você".
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Literatura de Cordel
Karolina com K
(Luis Gonzaga)
Karolina foi o maior estrupício que eu encontrei na minha vida.Ah, mulher bagunceira da mulesta... Mulher cangaceira... Conheci Karolina num forró que eu tava tocando. Quando avistei aquela mulherzona diferente no meio do salão, sem dançar com ninguém, só mangando dos matutos, eu pensei comigo: "Aquilo deve ser um pedaço de mau caminho... Mulher bonita, morena trigueira... Cabelo comprido, boa linha de lombo..."Aí eu comecei a caprichar no fole véio pra ver se ela dava fé de mim. Mas ela nem fé deu. E eu pensei comigo: "Deixe estar, danada. Se aparecer aqui um colega pra me dar uma ajuda eu vou aí pra tu ver o que é bom pra tosse."Aí apareceu o Anselmo."Ô Anselmo, pega essa sanfona aqui."Anselmo pegou a sanfoninha, fui na banca de Sá Marica. "Sá Marica tem cerveja? Bote um cálice. Cervejinha é essa, Sá Marica? Só tem escuma!""Oxente? Cerveja quente é assim mesmo!""Apois. Bote duas encangadas aí no fundo do pote, que eu volto mais tarde."Aí me botei pro salão com mais de mil. Cheguei perto dela e disse:"Que mal pergunte, é vosmecê que é a Karolina?"Ela escorou na perna esquerda, descansou a direita, botou a mão nos quartos, balançou e disse:"Pergunta é bem. Karolina com K".Ha."Quer dançar mais eu?""Só se for agora."Abufelei. E saí com essa mulher.Joguei ela pra direita, ela veio; joguei ela pra esquerda, ela tava aí -- a mulher era adivinhona... Chamei a mulher no vôo do carcará -- sabe como é o carcará, né? Ele voa na vertical, pára no ar e fica peneirando... Aí eu vim descendo com ela bem devargazinho nos meus braços. Quando ela triscou os pés no chão, deu uma gaitada:"Hahai, é hoje!""É hoje mesmo!"Aí saímos fazendo aqueles fuxicos todos. A mulher pegou o cabelão, enrolou na mão -- assim como vaqueiro quando vai derrubar boi --, pendeu a cabeça por um lado e saiu rodando... E eu rodando mais ela, e dando cheiro no cangote dela. A essa altura nós já tava fazendo era teatro. Era o maior burburinho do mundo. Aí eu disse pra ela:"Karolina, vamo acolá?"Ela respondeu:"Bora..."Chegamos na banca de sá Marica. "Sá Marica, cervejinha!" Ela botou uma, nós bebemos. "Bote mais uma!" Ela botou a outra, nós bebemos. "Sá Marica, bote mais duas encangadas aí no fundo que nós vamos voltar mais tarde."Voltamos pro salão. Nós não tava fazendo aquelas misérias todas mais não. Aí nós já tava sereno. Nós já tava daquele jeito... Maior felicidade.Aí Zé de Bahia chegou, bateu a mão no meu ombro e disse:"Gonzaga, acabou a festa.""Oxente? Acabou a festa?""Acabou pra você. Você agora vai tocar. Você que é o tocador? Você tá aqui fazendo arte, tá fazendo até teatro, vá tocar.""Pois tá certo!"Cheguei perto do Anselmo e disse:"Anselmo, passa a sanfona pra cá e vai dançar com Karolina. Mas não vão pra longe não, hein? Fiquem dançando aqui em volta de mim."Anselmo achou foi bom. Aí eu caprichei.De vez em quando Anselmo passava por perto de mim, Karolina dava uma rabanada de vestido pra riba d'eu, cobria a sanfona... E eu sentia só aquele cheirinho de flor de amor... Maior felicidade.Aí Zé de Bahia gritou de lá: "É cinco mil-réis! Tá na hora da cota! É cinco mil-réis! Quem não pagar não dança! É cinco mil-r -- nãããão... Tá conversando, hôme? Oxente? Não quero cocoré nem choro baixo. É cinco mil-réis! Cinco mil-réis! Cinco mil-réis! Cinco mil-réis!Também foi ligeiro. Fez a cota, chegou perto d'eu e disse: "O teu tá aqui..."Eu disse: "Anselmo, passa a sanfona aí pra Pedro Minha Garrafa." Sanfona na mão de Pedro Minha Garrafa, Zé de Bahia me deu os quarenta, eu saí com Karolina e Anselmo."Vamos contar o dinheiro, Anselmo. É vinte pra tu e vinte pra eu. Eu vou contar, pronto. Um pra eu, um pra tu, um pra eu. Um pra eu, um pra tu, um pra eu.Anselmo, besta, com as butuca em cima de Karolina, nem prestava atenção à minha contagem.E eu tô lá: "Um pra eu, um pra tu, um pra eu. Um pra eu, um pra tu, um pra eu. Pronto, Anselmo. Aqui tá o teu e aqui tá o meu. Agora tu vai voltar a tocar até de manhã, e guarda minha sanfona que eu amanhã eu vou buscar. E eu já vou com Karolina."Chegamos na banca de Sá Marica. "Sá Marica, cervejinha, cervejinha!" Sá Marica passou a cervejinha pra eu, nós bebemos, "Outra cervejinha!", bebemos a outra. Aí já tava mesmo perto dali, do pé de sombrinhão onde minha egüinha tava amarrada. Chegamos perto da egüinha, acoxei a cilha, passei a perna, joguei Karolina na garupa, saímos escondidos pelos fundos, fomos embora.Aí Karolina disse pra mim:"Olha, Gonzaga! Puxa mesmo que a cabrueira vem aí atrás, parece que eles tão querendo botar gosto ruim no nosso amor!""Não diga isso, Carolina!"Salpiquei a espora no sovaco, no vazio dessa égua. A egüinha se abaixou... Saiu danada, chega saiu baixinho...Piririco, piririco, piririco, piririco, piririco, piririco, epa! Escoramos na beira do rio. O riacho tava cheio, rapaz. Aí a égua refugou água. "E agora, Karolina?""Vamos nos esconder dentro das moitas, aí por dentro do mato! "Nós entramos no mato, a negrada vinha atrás, riscou também na beira do rio. Nós escutamos o converseiro deles:"É, sumiram... Se encantaram... Se escafederam. Vamos caçar eles?""Hôme, vamos voltar pro samba, que ainda tem umas duas horas de forró...""É mesmo, vamos voltar."A cabrueira voltou, e nós três ali dentro das moitas: eu, Karolina e minha égua.E ali nós três, escutando a cantiga das águas.Tirei a sela e lavei a égua.
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A raposa e a cegonha
Sábado à noite, a comadre cegonha foi jantar na toca da raposa.
Bate-papo daqui, fofocas dali, as comadres riam muito.
A raposa serviu uma suculenta sopa de carne em dois pratos rasos.
A raposa lambia os beiços e comia tudo num zás-trás.
A cegonha mal pôde molhar a ponta do bico, pois o prato era muito raso.
- Espero que tenha gostado do jantar – falou a maliciosa raposa.
Comadre cegonha, muito educada, não se queixou e falou:
- Amanhã darei um almoço para uns parentes em minha casa e gostaria da presença de tão gentil amiga.
- Ótimo! Lá estarei – respondeu a raposa.
Despediram-se com beijinhos para cá e para lá.
No dia seguinte, a raposa foi toda enfeitada almoçar na casa da cegonha.
A cegonha serviu uma sopa gostosa num vaso comprido, fino e cheio até a metade.
A raposa não pôde comer nada, pois seu focinho não entrava no vaso. A cegonha comia, comia e comia.
A raposa não pôde reclamar de nada e foi para casa com fome, pensando no que tinha acontecido.
Moral da história: quem planta hoje, colhe amanhã.
Cronograma dos Encontro
7:30 – recepção aos cursista
8:00 – apresentação do programa – unidades e seções do TP3.(entrega de material)
8:30 – apresentação do Programa de Formação continuada no data show
9:30 – apresentação do texto: Amor Gramatical – Internet
10:00 – breve fala a respeito dos tipos textuais
10:30 – apresentação do texto: Palco da vida de Fernando Pessoa.
11:00 - apresentação do texto: Relampiano – Elba Ramalho (música) – linguagem oral
11:30 – apresentação do texto: Dez maneiras fáceis de criar um delinqüente.
12:00- encerramento com comentários a respeito da aula seguinte
Encontro - Gestar - 12 /05/09
7:30 – café
8:00 – breve fala a respeito da unidade 9 – gêneros textuais
8:15 – apresentação de fábula indígena – registro da linguagem oral.
♠ fala a respeito do Palmerês em Santa Maria – ES
8:30 – apresentação do vídeo “ A cigarra e a formiga”
9:00 – comentário a respeito das competências do professor(xérox livro de Perrenoud)
9:30 – apresentação de texto – Millôr – texto oral
10:15 – sugestões de atividades (Os cursistas fizeram algumas atividades da unidade 9)
11:00 –Comentários a respetio da unidade 10
11:15 – apresentação do vídeo com clipes de provérbios – linguagem oral
11:30 – apresentação das músicas: procissão e para não dizer que eu não falei de flores
11:45 – apresentação de Cartum de Quino e comentários
Encontro - Gestar – 19/05/09
7:30 – recepção aos alunos
8:00 – texto: uma fábula
8:30 – exploração da unidade 10
9:30 – apresentação do texto: soneto em forma de receita
10:00 – início da oficina proposta para as unidades 9 e 10
11:00 – apresentação das oficinas feitas pelos cursistas.
12:00 – encerramento
Considerações:
♠ a cada unidade do TP3 foram acrescentados textos com intuito de ilustrar as falas:
♠ as oficinas foram um grande sucesso, os cursistas cumpriram todas as etapas propostas e culminaram a atividade com apresentações bastante criativas:
♠fizeram dramatizações, repentes, HQs e poemas.